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quarta-feira, 9 de junho de 2010

MISS BRASIL INTERNACIONAL 1964




Top 05 do Miss Beleza Internacional 1964




O nome dela VERA LUCIA COUTO DOS SANTOS, abaixo postamos o seu depoimento ao Passarela Cultural um dos melhores Blogs que sigo:-
Em 1964 o Clube Renascença estava com força total, era um dos clubes mais badalados do Rio de Janeiro, tido como celeiro das mulatas mais bonitas do Brasil, e a Dinah era a coordenadora dos concursos. Minha mãe desconversou, disse que eu era muito menina ainda, etc., e ficou por isso mesmo. Anos mais tarde, veio um novo convite para que eu participasse do desfile da Rainha da Primavera como representante do Renascença. Aí então nos tornamos sócios do clube e eu desfilei. Todo ano me convidavam para o concurso de Miss Renascença, eu falava com papai e ele não deixava. Miss Suéter, Rainha da Primavera, desfile de saia, desfile de modas, de tudo eu participava, mas falava em negócio de miss, papai brecava na hora. Devo dizer, a bem da verdade, que meu pai nunca foi de me coibir ou negar coisas, absolutamente. Nem ele nem minha mãe. Pedreiro, que mais tarde tornou-se construtor pela força do seu próprio trabalho e talento, ele foi sempre tolerante e compreensivo, dentro do seu temperamento calmo e reservado, até a sua morte. Minha mãe, por sua vez, sempre foi mais extrovertida e explosiva. Enfermeira por vocação e amor, estava sempre pronta para atender a um amigo ou a um vizinho, apenas pela alegria de exercer a sua profissão. Amava profundamente ao meu pai, tanto que morreu um ano depois dele porque não tinha mais alegria na vida, deixou-se morrer. De amor. 
Só quando eu fiz 19 anos, e depois de muita insistência, é que papai permitiu que eu participasse do Miss Renascença, e acho que ele deixou porque não acreditava muito que eu pudesse ganhar. A minha principal competidora era a Esmeralda Barros, que tinha uma enorme presença, um corpo belíssimo e grande traquejo de palco porque já tinha trabalhado em shows, etc. Mas eu terminei ganhando. E acho que foi muito mais na passarela do que em termos de plástica, beleza e tudo mais, sabe? Porque a Esmeralda tinha uma plástica respeitável, acontece que ela entrou na base do já ganheieu sou a boa mesmo, e não tem pra mais ninguém, e o público notou isso, o júri também e eu acho que aí é que ela perdeu. Eu fui vestida pelo Hugo Rocha, que inclusive me deu umas dicas de passarela que me ajudaram muito.
Vencedora do Miss Renascença, entrei no concurso de Miss Guanabara naquela de ir para cumprir a obrigação, mas na verdade, sem nenhuma esperança. Pó, eu tinha visto o que aconteceu com a Aizita Nascimento e a Dirce Machado, duas excelentes candidatas do Renascença, mulatas lindíssimas, bem preparadas e que não conseguiram absolutamente nada além de uma notoriedade que muito as ajudou depois. Baseada nisto, não alimentava grandes ilusões. Nem pequenas, tanto que já havia combinado com minha mãe e o pessoal lá de casa para, no dia seguinte, isto é, no domingo, irmos todos para Teresópolis porque eu estava cansada daquele corre-corre de escolhe maiô, discute vestido, prova roupa, desmancha aqui, aperta ali, eu já estava cheia e queria mesmo era me mandar pra longe. E além do mais algum júri teria a ousadia de dar o título de Miss Guanabara, no ano do Quarto Centenário, a uma crioula?

Eu estava tomando um copo com água para me refrescar, depois da última etapa do desfile, quando uma das concorrentes chegou perto de mim e me sussurrou no ouvido:

- Verinha, você é a Miss Guanabara! 
Eu encostei numa mesa e comecei a tremer, me deu um medo terrível. Comecei a rezar pedindo a Deus que fosse mentira. Me deu aquela de pavor, gelei. É a primeira vez que eu estou contando isso, só agora estou me sentindo com coragem, mas naquele momento me lembrei da menina que fui na Escola Sagrado Coração de Maria, no Méier, uma escola de freiras, onde no recreio eu ficava sempre posta de lado,sem perceber porque, pensando que o recreio era curto demais para dar tempo de eu brincar com as outras crianças. Lembrei-me da Escola Dois de Dezembro, onde eu era uma das alunas que iam com o uniforme mais bem cuidado, saia bem pregueada e blusa sempre na goma e onde uma vez na fila para comprar livros eu ouvi:
- Essa crioula é metida a branca, compra tudo do bom e do melhor.
E eu fingi que não ouvi. Mas agora não podia fugir, não. Tinha que ouvir: eu era a primeira negra a representar o Estado da Guanabara no concurso de Miss.
Aí eu vi que não tinha jeito mesmo e comecei a raciocinar: depois de ganhar o Miss Renascença eu estava representando um clube que na época era muito importante no concurso, dentro do contexto geral a participação do Renascença era muito importante. Daí, do fato de representar um clube, de repente eu passe a representar todos os clubes da Guanabara e agora passaria a representar um Estado inteiro. Quer dizer, foi um crescer de coisas, de responsabilidades... Foi quando eu realmente me conscientizei e disse: 

- Então, dane-se. Quem gostar, gostou, quem não gostou, gostasse.
Era um encargo muito grande que até então, não tinha sido dado a ninguém da minha cor. Desta vez eu não temeria nenhuma concorrente, nem entraria só por entrar, eu tinha que partir pra briga sem conformismo ou acomodação. Tinha que partir para ganhar. A expectativa era muito grande, durante toda a semana o assunto não saiu dos jornais e não havia quem não falasse sobre isso, em todas as rodas. Nos ensaios eu fazia sempre o pivô, que é uma volta completa que a pessoa que está desfilando dá em torno de si mesma. Aí, a dona Maria Augusta, da Socila, que era a coordenadora do concurso, que ensaiava as misses, chegou pra mim e disse que eu não podia fazer o pivô, sob pena de ser desclassificada. Outras pessoas vieram e me diziam:
-Não entre nessa, Vera. Essa é a tua arma secreta não deixa de fazer o pivô.

Na verdade, quando no desfile para Miss Guanabara eu dei o que o pessoal chamava de voltinha, foi um delírio. O povo nas arquibancadas aplaudia e insistia pedindo mais. Posso dizer tranqüilamente que foi o que me consagrou, era um quê diferente, meu, uma espécie de marca registrada. O nome técnico é pivô, mas o povo pedia mesmo era a voltinha. No dia do concurso eu estava fazendo a última prova do vestido no atelier do Hugo Rocha quando recebi um telefonema de uma pessoa, voz feminina, que me disse:
- Olha, eu estou ligando porque lhe aprecio muito e quero dar um conselho de amiga. Acho que você deve desistir do concurso porque existe um grupo de senhoras da sociedade que compraram mesas especialmente para vaiar você. 
A voz não se identificou e mais não disse. Era parte, sem dúvida, de uma guerra de nervos, não sei de alguma admiradora de outra concorrente ou se de alguém inconformada por ser eu, negra, a representante do estado da Guanabara. Correu também o boato de que a Comissão Organizadora teria retirado o nome de Evandro Castro Lima do júri, porque ele tinha se manifestado a meu favor publicamente, assim como disseram que colocaram a jornalista Pomona Politis porque ela declaradamente não gostava de preto. Essas notícias chegavam a mim e era como se um ciclone tivesse me pegado, eu perdia o chão, ficava completamente baratinada, sabendo que tinha que manter a calma, sem saber como.
Quando a orquestra tocou a marcha de abertura e todas as candidatas entraram para a passarela, um frio correu pela minha espinha, eu pisei firme mas não senti o chão. As torcidas todas misturadas gritavam coisas que eu nem distinguia. Vez por outra ouvia:
- Guanabara! Guanabara! Guanabara!
Também ouvi muito:
- Paraná! Paraná! Paraná!
E depois eu soube que um forte grupo gritava:

- Guaraná! Guaraná! Guaraná!
Era o pessoal que queria que os primeiros lugares ficassem com a Guanabara e o Paraná.
O que eu sei mesmo é que, no meio daquele tumulto infernal, onde o sorriso tinha que ser mantido a todo custo, eu ouvi claro e cristalino:
- Sai daí crioula! Teu lugar é na cozinha! Não se manca não?

Era uma mulher na ponta da passarela, que tinha a forma de uma ferradura, gritando histérica, inteiramente possessa. E ia por entre as mesas, repetindo, praticamente sem parar, a mesma coisa. As senhoras nas mesas que o telefonema anunciou não estavam lá, mas aquela mulher valia por quase todo o Maracanãzinho. Pelo menos para mim.
Quando voltei ao camarim, tremia da cabeça aos pés, e notei que não era só eu. O nervosismo era geral. Então pensei comigo mesmo:
Quer saber de uma coisa, eu não vou olhar para o lado que aquela mulher estiver, vou entrar olhando para o outro lado.
Dito e feito. Quando entrei no desfile em traje de gala, onde cada concorrente se apresentava individualmente,.me enchi de moral e fui em frente. Enquanto desfilava tudo o que eu ouvia era um grande zumbido, e aí me lembrei quando uma vez fui com uma colega minha e o namorado dela a um baile na sede do Botafogo e quando chegamos na porta foi aquele papo pra cá, papo pra lá e eu não consegui entrar. A minha amiga era sócia do clube e o porteiro disse que eu não podia entrar por que não tinha convite, em cima da hora não dava pra quebrar o galho, etc.etc. Engoli aquela de não ter convite e fomos para Copacabana, o rapaz lembrou-se que tinha um baile no Olímpico. Quando chegamos lá não deu nem pro pessoal que estava comigo disfarçar, o cara da porta foi taxativo:
- Essa aí não entra!
A frase zumbiu no meu ouvido, foi aquele choque. Eu era uma adolescente e só estava querendo fazer o programa que outros da minha idade estavam fazendo – dançar.
E dancei... Numa só tarde fui barrada duas vezes. Na hora fiquei chateada, com raiva mesmo, mas só vim a perceber a extensão daquilo algum tempo depois, provavelmente naquele instante em que eu estava desfilando para milhares e milhares de pessoas, tentando não ouvir a mulher que continuava gritando pra mim que o meu lugar era na cozinha. Eu vinha olhando para o outro lado e me desliguei de tal forma que não avancei pela passarela que ia dar exatamente onde estava o júri. Passei direto. De repente eu notei que a torcida do Renascença gritava:
- Volta! Volta!

E eu não entendi o que estava acontecendo. Umas mesas mais perto do ponto onde eu estava bradavam de pé :
- Volta Vera, pelo amor de Deus. Volta, volta!
Eu continuava sem perceber o que é que estava havendo. A estas alturas, um senhor de cabelos grisalhos, de cor clara, adiantou-se e gritou quase em frente a mim:
- Volta, minha filha. Não faça uma desgraça dessa.
E botou a mão na cabeça. Foi como se eu tivesse acordado, dei uma rápida olhada pra trás e vi que tinha passado da banca do júri. Dei mais alguns passos à frente e pensei rapidinho:
- Estou proibida, mas eu vou fazer. Vai ser a minha salvação.

Fiz o pivô e voltei. Ai foi uma loucura. O público aplaudia, gritava, nunca vou me esquecer. Quando voltei de maiô, já estava inteiramente solta, liberta, fiz tudo o que eu sabia e mais um pouco. Cada pivô que eu fazia o pessoal gritava: Olé! Difícil descrever a sensação que sentia. A partir daí já achei normal ficar entre as finalistas e quando fui proclamada em segundo lugar, senti o gosto da vitória. Era a Miss Brasil número 2, aquela que iria representar o país no concurso de Miss Internacional Beautiful que era realizado em Long Beach, na Califórnia. 
E ela representou muito bem o Brasil no Concurso Miss Beleza Internacional 1964, trazendo para o Brasil um honroso 3º lugar

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